quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

ABRIGO DO GUAMÁ: Um Holocausto de animais em Belém, capital do estado do Pará.

Há mais ou menos 2 meses circulam nas redes sociais informações  e depoimentos de um Depósito de Animais que, há anaos funciona em Belém como um Abrigo de animais, chamado de Abrigo do Guamá. Vou postar, em forma de colagem, as muitas informações/depoimentos sobre as aberrações que estãoa contecendo sem que, todavia, uma providencia efetiva seja tomada quer por aqueles que denunciam, quer pelas autoridades municipais e/ou estaduais de Belém-Pará.
Monique Teixeira Gente a historia e comprida mas vou tentar resumir, esse abrigo era de uma senhora (Marina que era professora e ela dava assistência ate onde eu sei, mas agora essa senhora esta com 90 e tantos e não pode mais , uma pessoa ficou "responsável pelo abrigo" mas pelo q podemos ver principalmente eu que estou la toda semana, ela não faz nada pelo lugar!!!! tem 1 senhor de 50 e poucos anos que trabalha la recebe salario, mas aparentemente ñ esta nem ai pros animais o q ele quer e ganhar o dinheirinho dele.... Todos os dias animais morrem e ele acha isso normal!!!!
 
 Esse abrigo pertencia a uma sra de nome Marina Figueiredo, que não tem filhos pelo que sei, apenas um sobrinho que mora em outra cidade, e como estava em idade avançada "nomeou" uma filha de criação de sua inteira confiança, de no Maria do Rosário, para continuar a frente do Abrigo, inclusive arrecando doações de vários contribuintes, há noticias de que teria inclusive passado todos os seus bens pra essa Rosário acreditado que ela continuaria a sua obra em prol dos animais., atualmente essa Maria do rosário se  Presidente da SPPA (sociedae Paraense de Proteção aos Animais á qual pertence o Abrigo do Guamá, já que ao que consta a Sra, Marina está bem idosa e não está mais lúcida. O homem que "cuida" do abrigo e se chama  Raimundo e irmaõ dessa Rosário



  • Maria Célia Gomes Lima Aquilo tem que ser DENUNCIADO. Tem sim. O Seu Raimundo continua e vai continuar pegando animal, pois há sérios indícios de que ele recebe dinheiro por cada animal que pega (para morrer lá dentro). Eu estava lá um dia e chegou um car com um gato procurando por ele, eudisse ao sujeito que estava o Abrigo estava proíbido de receber animais e ele falaou que tinha falado com o o seu Raimundo e que era só pagagar R$15,00 por cada gato. Isso um investigador de polícia pode facilmente checar é só armar pra cima daquele pilantra. Já sairam muitos animais dali pois toda vez que vou lá chega alguem e leva um, dois, e até mais. No entanto o número continua aumentando, sempre tem animal novo lá. Ontem ele se aborreceu comigo e disse que se acabarem com aquilo como ele vai viver já que não tem mais idade pra conseguir um emprego, ele é frio, indiferente ao sofrimento dos animais. Precisamos descruzar os braços e DENUNCIAR sim, não tem essa de que a zonoose vai lá pegar os animasi, não é assim, primeiro ele vai recebr a equipe da DEMA, vai ser intimado, ele vai pensar 7 vezes antes de pegar um animal, pra morrer lá dentro.ELE DEBOCHA DIZENDO QUE ISSO NÃO VAI DA EM NADA. que nunca a policia o incomodou e que as pessoas vão lá, "fazem um barulho e depois somem". Por isso não acredito que alguma vez tenha sido feita denuncia, se foi a quantas anda? Eu topo ir na DEMA, é só mais algumas pessoas irem comigo. Denunciei o caso do Bengui, e fui muito bem recebida na DEMA que fez o que devia (ou podia), e deu certo. O caso do Abrigo é mais grave, mas com certeza, e até por isso, eles irão lá, pelo menos ajudar quem quer ajudar.
  •  SOCORRO!!!! Essa e´uma da fotos que eu consegui tirar em um abrigo de animais no bairro do Guamá, em Belém Pará, antes que a "responsável" pelo abrigo (Rosário), seu irmão Raimundo e seu filho me colocarem para fora do abrigo. Esses dois c
    achorros estão em estado terminal cheio de bichos e sinomose, já que estava tudo certo para a veterinária, Dr. Milena consultá-los, quando eu estava lavando a área dos gatos fui surpreendida pela Rosário e seu filho que perguntaram o que eu e
    stava fazendo lá, pois estava cheio de fezes, jornais e filhotes mortos; também já ia fotografar, mas ela me mandou sair de lá, mas me recusei e começaram a me empurrar, me segurei na parede e implorei que ela deixasse eu pegar esse gato que vocês estão vendo e nesse momento o hipócrita do seu Raimundo pegou esse gato que estava no cercado de madeira e jogou como se fosse uma pedra dentro das gaiolas de ferro, neste momento fiquei desesperada e comecei a gritar por socorro, pois o gato gritava e sangrava de dor. São cenas terríveis caso de polícia, estou chocada com tanta crueldade. Essa maldita mulher e esse maldito homem e seu filho tem que ser punidos, pois Belém é uma cidade linda e de justiça. Ninguém entra la dentro pra ver e os que viram se calaram, mas eu não vou me calar, coloquei no meu coração que enquanto eu viver nessa cidade abençoada de povos bondosos de coração que me acolheram de coração à 15 anos que estou aqui, não vou deixar essa maldita em paz, se for possível chamarei a atenção das autoridades grandes para descobrirem o que está acontecendo bem no coração de Belém. Meu telefoen e 8876.8365, me ajudem a denunciar esses criminososs.

    terça-feira, 13 de março de 2012

    Um belo texto sobre o "Memorial do Convento" de Saramago, especificamente sobre o "olhar de Blimunda"

     BLIMUNDA, UMA ALEGORIA DO NOVO

    Iran Nascimento Pitthan

    Este trabalho visa a fazer uma leitura das possibilidades do alegórico em Memorial do Convento, de José Saramago, detendo-se, principalmente, na trajetória do personagem Blimunda e no seu processo de amadurecimento e transformação, retirando o que se concretiza no seu dia-a-dia e elevando-o a uma categoria de universal. Nessa universalidade proposta, buscaremos decifrar o que pode expressar essa mulher do povo com sua aguçada sensibilidade somada à força e ao conhecimento adquiridos nas relações físico-espirituais com seus parceiros de aventura.
    O personagem de ficção é sempre complexo e múltiplo porque, na sua construção, foi possível combinar inúmeros elementos de caracterização, os quais podemos dizer incontáveis quando comparados aos traços humanos detectados no modo de ser cotidiano das pessoas. A composição desses elementos, organizados dentro de uma determinada lógica, cria a ilusão do ilimitado, fazendo de uma figura humana simples e comum como Blimunda uma potencialidade de sentimentos, um espaço sem fronteiras.

    Seguiremos apoiados no sentido de alegoria dado por Walter Benjamin, que estabelece poder cada pessoa, coisa ou relacionamento significar um outro qualquer. Orientados também pelos estudos de Flávio R. Kothe, que confirma a possibilidade da leitura alegórica e revê considerações do filósofo alemão, onde ele desenvolve e altera suas conclusões sobre a alegoria, com uma série de observações sobre seu emprego na modernidade.

    O Memorial do Convento narra o período de construção de um Convento, em Mafra, em cumprimento de promessa feita pelo rei D. João V. Concomitantemente, é narrada a construção de uma passarola1, sonho do padre Bartolomeu com os auspícios do rei, mas perigosamente à margem do Santo Ofício. O padre é ajudado pelo casal Baltasar/Blimunda. Baltasar, um pobre soldado maneta, de passagem por Lisboa em dia de auto-de-fé, conhece Blimunda, que lhe é concedida pela mãe desta, quando está a caminho do degredo. Como a mãe, Blimunda também tem curiosos e estranhos poderes. As sensibilidades apuradas lhe fazem ver por dentro, quando em jejum. Ela passa, então, a manter um relacionamento definitivo com Baltasar, com as bênçãos do padre, numa comunhão raramente encontrada entre casais.

    Composta a marginal tríade, a construção da passarola é realizada. Alça vôo quando o Santo Ofício vai no encalço do padre, na quinta do duque de Aveiro. Nesse vôo de fuga eles passam sobre o local de construção do convento, deixando no povo de Mafra a certeza de terem comungado com Deus, pois que o Espírito Santo teria passado por ali como um sinal. Após essa ousada aventura, o padre vai para Espanha onde enlouquece e morre. Baltasar passa a trabalhar na construção do convento e eventualmente volta ao lugar onde caiu a passarola, no meio de um campo, para a manutenção necessária em vista dos maus tratos do tempo. Num desses dias, por acidente, a passarola levanta vôo levando Baltasar. Desde então, Blimunda segue um longo caminho de busca, durante nove anos, até encontrá-lo sendo queimado na fogueira dos condenados por heresia.

    A maior conquista da obra ficcional é a coerência indiscutivelmente maior dos personagens, em comparação com as pessoas reais. Essa coerência vem da limitação imposta pelas orações, devidamente enxugadas pelo autor na elaboração do texto. É na ficção, em termos epistemológicos, que os seres tornam-se transparentes à nossa visão, por se tratarem de seres puramente intencionais, projetados pela construção da escrita. O autor dirige nosso olhar através de aspectos selecionados de certas situações do comportamento e/ou da aparência física, sintomáticos de certos estados ou processos psíquicos, de atributos em geral e de aspectos de sua intimidade. Desse modo, algumas zonas indeterminadas dessa ambientação passam a funcionar para o leitor, tornando um personagem inesgotável e insondável, aberto às mais diversas leituras. Encontramos, nos personagens de ficção, maior significação e maior riqueza em virtude da concentração, seleção, densidade e estilização do contexto imaginário que acaba reunindo os fios dispersos da realidade num padrão consistente e firme.

    O leitor torna-se um autor do texto que lê e esse texto não é exatamente idêntico ao texto do autor. Sobre essa base a ele são permitidas todas as possibilidades, todos os caminhos de construção para o seu deciframento. Um mundo de imagens que habita todas as coisas revela-se e, ao se penetrar nele, com essa propulsão construtiva, outras tantas relações poderão ser propostas, perdendo-se a ilusão do significado único. O texto do leitor passa a ser uma alegoria do texto do autor e vice-versa. Ele não lê propriamente o autor do texto nem o texto do autor, que passa a experimentar um estranhamento e torna-se o outro de si mesmo. Esse dizer o outro pode ser visto como a linguagem da subversão, correspondendo ao rompimento da repressão. A alegoria é manifestação e denúncia implícita do reprimido que, disfarçado de outro, caracteriza implicitamente a ficção como repressão.

    A alegoria, como expressão concreta de uma idéia abstrata, não provoca pensamentos, aparenta não dizer nada - vazia na teoria e na prática. Mas, encontramos em seu cerne uma inquietação e tentaremos buscar o que realmente quer dizer essa natureza convencional da linguagem alegórica, buscando outra forma de manifestação ou significação, onde tudo parece abrir-se para uma ilusão de infinitude. O outro, que se desvela e que também se vela, nunca delimita um fim. A negação desse outro é apenas mais um ponto para a sua afirmação. Blimunda, num ritmo muitíssimo pessoal, sem bandeiras levantadas e sem querer impor-se a qualquer regra, vai de encontro às convenções, que é uma linguagem de repressão. Segue sua estrada enfrentando os percalços com uma força libertadora, o que nos permite vê-la como anunciadora de novas dimensões e proposições, sempre subvertendo a ordem estatuída para, de um caos, recriar ou criar o novo.

    O par Baltasar-Blimunda foge aos padrões da época e aos códigos estabelecidos pela sociedade, tornando-se exemplo de transgressão, uma realidade que ultrapassa o seu tempo. Vivem uma relação amorosa ilícita, instituída em comunhão com o universo e, por isso, alcançando um estado de perfeição incomum a todos os tempos. Batizados sem ritos canônicos, recebem identidade cósmica e projeção no universo, cujas leis se confundem, onde luas e sóis convivem em harmônica união. Tudo é significativo e estabelece possibilidades de leituras variadas. Ao leitor atento, desvela-se uma tessitura de significados que podem esclarecer ou oferecer caminhos os mais distintos.
    Na primeira noite do casal, a naturalidade de Blimunda nos leva a compreendê-la toda instinto e, por isso, de grande tranqüilidade. As coisas se fazem naturalmente e ela age e reage respondendo aos sentidos. O sangue da perda da virgindade é utilizado para marcar uma cruz sobre o peito do homem. Os dedos utilizados por Blimunda, o médio e o indicador, são os mesmos usados pelos padres na persignação dos fiéis, nas bênçãos dos sacramentos. Blimunda, como sacerdotisa, aproxima com a sacralidade desse gesto a pureza do ato de união do jovem casal com a heresia dos homens, que podem ser homens da fé e representados pelo padre Antonio Teixeira de Souza, que "(...)solicitava mulheres, maneira canônica de dizer que as apalpava e fornicava..." (Saramago, 1982, 52). Vemos, centrado nesse cruzamento, a reunião da esquerda com a direita, do alto com o baixo, do distante com o próximo, desenhando os movimentos alegorizados da obra literária. Nesse mesmo momento, enquanto Baltasar e Blimunda comungam na carne, do lado de fora, na rua, um outro embate se faz ouvir, e não de corpos que se complementam numa correspondência de completude e soma, mas de disputa, de divisão, no som retinido das espadas. O sangue de vida e o sangue de morte.

    Todo o tempo o trio vive uma relação ser-não-ser em termos sociais. Bartolomeu tem um Deus todo próprio, à revelia do Deus católico, e sabe não correr riscos de castigos aplicados por Ele, consciente de que o perigo mora na insegurança e medo dos homens no jogo de poder. Baltasar, sem horizontes e acreditando-se podado parcialmente em sua capacidade de realização causada pela amputação, precisa ousar mais do que o homem comum para reaver sua dignidade de ser inteiro. Blimunda, quando desperta, auratizada pelo sol, precisa cegar-se através do pão, elemento que a transforma em indivíduo comum. Quando em jejum vive o mundo de uma ambivalente iluminação profana, mundo que lhe possibilita a obtenção da energia/força combustível para fazer voar a passarola, libertar-se das pequenezas terrenas e, também, caminho para a morte pelo Santo Ofício, se deixar transparecer essa qualidade que a faz ser um ser especial.

    Ao entrar numa conversa dos homens sobre o valor de um nome e de um sobrenome, Blimunda chama a atenção de que Eva nada mais era do que uma simples mulher. Se boa cristã, se feiticeira, temente a Deus ou descrente dele, a mulher ali é colocada simplesmente como um nascedouro, ponto certo da sensibilidade, pela sua capacidade de transmutação. "Sou cristã" (Saramago, 1982, 145), ela responde ao padre quando este pergunta-lhe se precisa de Jesus. E ele mesmo arremata: "deixa-te ser Blimunda" (Saramago, 1982, 145). Ser Blimunda vai muito mais além da companheira, da trabalhadora, da unificadora ou da construtora. É cravar em si o esteio de todo um universo e fazê-lo girar como gira o mundo, em movimentos de rotação e translação, capaz de ser noite e dia, de calmarias e de tormentas que arrebentam os diques de segurança para permitir, no fluxo, novos caminhos e outras fontes de vida.

    Em toda a narrativa, Blimunda vive um jogo. A mulher omissa e submissa, dependente, escrava, definitivamente não participa do ser Blimunda. Esta toma parte das decisões, tem consciência da sua participação e da importância do seu trabalho, sabe que é um dos pilares desse grande sonho, dessa ousada busca de liberdade. Durante a construção da passarola, acompanha os dois homens não só por respeito ao marido ou ao representante da igreja - que representa, também, a castração, pois que lhe levou a mãe - mas, acima de tudo porque sabe ser diferente, sabe ser uma persona especial e acredita na empreitada à qual todos se dedicam. É participativa e nunca está ausente. Tem a arte da união, e é em quem mora a paciência para desatar os nós menores e mais apertados, por isso mais difíceis, sem arrebentar os fios que tecem as asas do sonho.

    A vidência dela é uma denúncia da repressão social que só vê o que interessa e quando o fato pode servir de exemplo para apregoar regras de conveniência, "Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu será Sete-Luas, porque vês às escuras" (Saramago, 1982, 90). Blimunda, em jejum, segue dando provas a Baltasar da sua capacidade de ver o oculto e, desconfiado, ele não as aceita porque não as comprova. A cegueira de Baltasar é confirmada/negada somente pela moeda de ouro indicada por Blimunda - os valores morais e os valores materiais se opõem aí, apontando as perversões da propriedade. O invisível carece de materialidade, tornando-se necessário um conceito que o defina e o traga à concretude do banal, capaz de permitir a posse da imagem. Blimunda foge a essa banalização. Nela nada delimita o fim, simplesmente desvela aquilo que se vela e esse ato de descobrir é a busca de outro significado para aquilo que se apresenta determinante. O perscrutar, o atravessar com a vista, o aperceber-se, é do olhar penetrante, atravessador e reflexivo, é o olhar de um olho perspicaz, dotado de uma qualidade fundamental que reencontra no visível e dali transmite ao espírito e ao intelecto. É o olhar capaz da vidência perfeita, posta como marca distintiva do verdadeiro. Os olhos de Blimunda são olhos do espírito, esferas perfeitas capazes de ver toda a própria superfície, ao contrário de nossos olhos mundanos excitados pela luz e pela cor que só podem ver em metade de sua esfera, aquela voltada para o mundo e "cegos da outra parte, aquela presa no interior da cabeça" (Bovelles, 1983, 431-432).

    Podemos considerar a alegoria uma reprodução imagética das idéias, progredindo sucessivamente, tornando-se fluida com o decorrer do tempo, dramaticamente móvel. E mais, podemos dizer então que a alegoria é uma técnica artística de dar forma a um pensamento através de imagens. Como afirma João A. Hansen, "(...) em termos semióticos contemporâneos, a alegoria é uma metalinguagem ou um interpretante da relação imagem plástica/discurso/imagem mental para o espectador-leitor" (HANSEN, 1986, 89-90).

    Quando Blimunda cai doente é outra a imagem que se faz. Uma grande palidez e uma grave expressão de agonia. As pálpebras que se fechavam para não ver tudo, agora estão crispadas. O que se passa diante de seus olhos talvez sejam assustadoras imagens de um outro mundo. A doença, "(...) se doença foi, se não foi apenas um longo regresso da própria vontade, refugiada em confins inacessíveis do corpo..." (Saramago, 1982, 184), não tinha sintomas e, por conseqüência, não se conhecia o medicamento a ser utilizado. Num dos momentos mais contundentes do Memorial do Convento, num resgate dos braços da morte, a música adentra o corpo fortalecendo o espírito. Uma música "(...) branda, suave, que mal ousava desprender-se das cordas feridas de leve, vibrações subtis de inseto alado que imóvel, paira, e de súbito passa de uma altura a outra, acima, abaixo... (Saramago, 1982, 184). Do piano que Scarlatti toca, a música nasce e toma forma da primeira tecla da mão esquerda até a última da mão direita, sem fim nem princípio, numa ilusão de infinitude, como propõe a alegoria. Blimunda, purga em lágrimas a dor desse renascimento, o reencontro com a crueldade do mundo. Ela "(...) sentava-se ao pé do cravo, pálida ainda, rodeada de música como se mergulhasse num profundo mar, diremos nós, que ela nunca por aí navegou, o seu naufrágio foi outro" (Saramago, 1982, 185). Esse uso de metáfora não deve ser entendido no sentido restrito de um meta-phorein, numa só direção. Como afirma o Prof. Khote: "(...) a metáfora precisa ser entendida em sua dialética e não reduzida a uma lógica analítica" (KOTHE, 1986, .83).

    Quando o autor descreve Blimunda silenciosa, ao pé do cravo, rodeada de música, opõe-se ao silêncio da morte, pois o seu naufrágio foi outro. O mar e a morte, a música e o silêncio, cada um dizendo o outro e dizendo a si mesmo nesse outro.

    A pecadora Blimunda, também não mostra pudores em anunciar "(...) não tenho pecados a confessar..." (Saramago, 1982, 88). Sua realidade de certo e errado, de bom e mau, foge aos paradigmas vigentes. Acredita que ninguém se salva, que nada se perde, que só há morte e vida. Blimunda demonstra a sua relação cósmica mais uma vez quando esclarece para Baltasar que a lembrança de alguém o faz reviver, no instante em que se cria, magicamente através da memória, condições de revisitar as sensações e emoções vividas, "Tal como nós não sabemos bastante quem somos, e, apesar disso, estamos vivos." (Saramago, 1982, 331). A vida vem depois da morte, ela diz. E, nessa sua verdade detectamos a verdade de quem antes de sofrer as corrupções sociais, sabe que tudo se transforma. A morte é um recomeço que é nova vida, o processo cíclico, a roda constante das oposições que ora mostra um lado ora o outro.

    Quando Baltasar e Blimunda visitam as estátuas dos santos deixadas na entrada do Convento, estabelece-se outro momento de ser-não-ser. Com a lua encoberta pela sombra de uma nuvem, há uma transfiguração das imagens, que se tornam vultos brancos e disformes "(...) perderam o contorno e as feições, estão como blocos de mármore antes de as ir procurar e achar o cinzel do escultor." (Saramago, 1982, 329). Ali, "...nada se confunde mais com a sombra do chão do que a carne dos homens." (Saramago, 1982, 330), palavras e verdades são reveladas como prenúncios e as sensações que se sobressaem nesse mostra-esconde, nos conduzem a uma compreensão mais audaciosa sobre a matéria, elementos capazes de permitir a vida.

    Com o sumiço de Baltasar, Blimunda passa a viver o que seria o seu purgatório: Os caminhos trilhados são os mais dolorosos e as provações se fazem: a fome, as noites insones, o frio, os pés descalços e feridos na caminhada, a figura da andarilha coberta de andrajos, as tantas voltas pelo país, só que "(...) agora, de nenhuma noite teria medo, se tão negra é a que leva dentro de si."3 (Saramago, 1982, 352). Resta-lhe, apenas, a esperança, que vem de uma energia nominada vontade, tal qual as que ela colhera durante tanto tempo e com tantos sacrifícios para fazer voar a passarola quando realizou a mágica sensação de alçar o azul num vôo experimental, cheio de riscos e de inseguranças mas, de tal êxtase, que teria valido a própria vida. E valeu, o silêncio, a cumplicidade, os riscos. Blimunda novamente levanta vôo de seu atual território, Mafra, e segue, de cima, olhos de águia, tentando avistar seu homem. O primeiro, foi um vôo real de libertação, de constatação do bem mais valioso que o ser humano pode ter - a capacidade de ousar, de sonhar e de realizar esse sonho. O segundo, um vôo de busca, um mergulho para dentro de si mesma onde encontra forças para peregrinar todo um território, palmilhando passo a passo esse macro corpo para detectar o seu pulso, o anima, o sopro capaz de lhe dar vida.

    No tempo em que percorre terras portuguesas, sete voltas ela dá, sete - como os degraus do purgatório de Dante. Nove anos é a duração desse vôo e nove os círculos do inferno dantesco, tempo em que Blimunda habita o mundo. Esse é o seu caminho para a redenção. Como a águia, que sem piscar enfrenta a luz do sol, Blimunda tem "(...) olhos parados, cujas pálpebras raramente batiam, e que a certas horas e certa luz pareciam lagos onde flutuavam sombras de nuvens, as sombras que dentro passavam, não as comuns do ar..." (Saramago, 1982, 354). Chega a ser maltratada e apedrejada por acharem-na louca e, novamente, o jogo é invertido quando ela, prodigiosamente, indica um veio d'água puríssima para a população local, secos por dentro e secos por fora, sendo, então, aclamada como santa. Mas, o tempo não tem importância. Baltasar é o centro do mundo, Blimunda a rotação e a translação, nesse longo vôo. Ao alçá-lo Blimunda desce ao Hades, numa inversão do mito de Orfeu, em busca de Baltasar. Seu olhar, como o do poeta para Nietzsche, é hostil a qualquer olhar para trás quando se tem de ir em frente, "(...)dizendo sim até para a morte e sendo o primeiro a despedir-se..." (Nietzsche, 1972, II, 13).

    Retomando na memória o degredo da mãe, Blimunda adentra o Rossio de Lisboa, onde acontece outro auto-de-fé e os condenados recebem suas penas. Ela está em jejum. Nove anos e muitas fronteiras depois, ela é o andarilho, aquele que bebe de todas as fontes e se alimenta do que a terra dá, que vive o momento único e singular, a bagagem sempre pronta. Vai deixando os excessos pelo caminho, se despojando de todo o supérfluo, do desejo vil, se despindo da matéria. Ela vê, entre os condenados já chamuscados, aquele que é o seu referencial, seu centro. Quase encoberto pelas chamas, uma nuvem desprende-se dele e vem em sua direção, pois que a ela pertencia e à terra. Nesse instante, dá-se outra comunhão, como na primeira noite em que juntos estiveram, numa circunvolução, ligando o começo ao fim, trazendo e levando coisas. Essa corrente de pensamento contém a imagem clara, determinada e firme do círculo da serpente - a serpente alada mordendo sua própria cauda, hieróglifo que representa o conceito do tempo e do mundo. A vontade de Baltasar e a vontade de Blimunda ajuntando-se, "(...)onde couber um, cabem milhões, o um é igual ao infinito..." (Saramago, 1982, 124), alegoriza Hermafrodito, onde está inerente o potencial de integração, a totalização do próprio ser, o ovo cósmico, o alvorecer de toda cosmogonia.

    A leitura alegórica de um texto busca descobrir a sua estrutura profunda, um horizonte outro além do que se apresenta aparente, descobrindo a realidade e assumindo compromisso com a verdade. Na alegoria busca-se captar um tipo de expressão que acompanha o fluxo do tempo. Uma visão móvel o bastante para apreender o instante e que não recue diante do caráter fragmentário do real.
    A alegoria busca arrancar as coisas do seu contexto. Blimunda, como toda mulher, relaciona-se misticamente com a terra. A retenção da vontade de Baltasar, no seu momento derradeiro, pode ser visto como uma variante da fertilidade telúrica. E, em assim sendo, essa fecundidade da heroína pode muito bem ser percebido como uma alegorização do modelo cósmico, a Mãe universal, uma outra terra. Na trajetória do personagem, o jogo que se estabelece, seus devires, o constante ser-não-ser, a entrega ao desconhecido, o cansaço que a leva quase à morte, a ousada tentativa de libertação pelos ares, além dos longos anos nas inúmeras voltas em busca do seu referencial, mostram o longo caminho iniciático, trilhado por Blimunda que, agora, enfim pronta, seguirá outros caminhos.

     Bibliografia

    ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. S.P.: Ed. Abril, 1981.
    BENJAMIN, Walter.
    Documentos de Cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1986.
    BOVELLES, Charles de.
    Le Sage. In Individu et cosmos dans la philosophie de la renaissance. Paris: Minuit, 1983.
    CÂNDIDO, A., ROSENFELD, A., PRADO, D.de A., GOMES, P.E.S.
    A personagem de ficção. SP.: Ed. Perspectiva, 1974.
    HANSEN, João Adolfo.
    Alegoria, construção e Interpretação da Metáfora. 1ª ed. São Paulo: Atual, 1986.
    Kothe, Flávio R.
    A Alegoria. São Paulo: Ática,
    _____________.
    Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985.
    _____________.
    Confrontos: Benjamin & Adorno. S.P.: Ed. Ática, 1978.
    NIETZSCHE, Friedrich.
    Sonetos a Orfeu. 1923, II, 13 "Sei allem Abschied voram".
    SARAMAGO, José.
    Memorial do Convento. S.P.: Ed. Bertrand Brasil. 1982.
    SEIXO, Maria Alzira.
    O essencial sobre José Saramago. Lisboa: Imprensa Nacional, 1987


    1 Aparelho pensado e desenhado por Pe. Bartolomeu, com base na pré-ciência alquímica e biomagnética do tempo, que pretende ser o instrumento capaz de realizar o maior sonho do homem: voar.
    2 Sebastiana de Jesus, condenada, pela Santa Inquisição, por ser uma visionária ao degredo em Angola.
    3 Memorial do Convento, p. 352

    Iran Nascimento Pitthan
    Formado em Letras pela Unipli
    Mestrando em literatura brasileira e teoria da literatura na UFF
    bombugre@nthink.com.br

    terça-feira, 4 de janeiro de 2011

    O espelho a minha frente é coisa muda,
    mas de sua mudez ele me fala:
    a imagem alheia do outro lado
    me contempla longínqua e interrogante,
    parte de mim, em mim multiplicada,
    e posta fora do que sou, textura
    de outra pessoa, de outro sonho e forma
    (no largo sono de um deus tranqüilo,
    a voz se cala e deixa que o cristal
    a memória de um vago ser recrie)
    Ilusória assim como qualquer cifra.
                              
    Existimos, inúteis, refletidos.
    um teatro de sombras, sigiloso:
    o que somos, em nosso alto crepúsculo.
                        (Jorge Luiz de Melo Borges)

    “A mente é um espelho, apenas isto”, ele me disse e eu fui dormir com aquele espelho na cabeça. Sonhei com Borges, com Narciso, com Platão, com tratados de yoga e com Alice no país dos espelhos e com o retrato de Dorian Grey. Acordei com o barulho de vidro se estilhaçando no chão. Pensei, então, em fazer um mosaico com os cacos de espelho (era uma vez o espelho de uma penteadeira...), mas terminei por optar por uma espelhada “colagem textual”.
    “Nosso corpo é a Arvore Bodhi
    e nossa mente, um espelho brilhante
    Cuidadosamente limpamos os dois, hora após hora
    sem deixar assentar nem um pouco de pó.”

    Escreveu o Shen-Hsiu, a que Huei Neng contrapôs:

    Não existe árvore Bodhi
    nem lugar para um espelho brilhante
    Já que tudo é vazio,
    onde o pó assentar?

    Nosso corpo é a Arvore Bodhi e nossa mente, um espelho brilhante. Cuidadosamente limpamos os dois, hora apos hora, sem deixar assentar nem um pouco de pó
    Nao existe arvore Bodhi nem lugar para um espelho brilhante Ja que tudo é vazio, onde o pò assentar? Esta "maxima"de Hui Neng,pertence ao Sutra que Vem do Ultimo Assento,o famoso Sutra da Plataforma.O livro é" A Biografia de Hui Neng" por Wong Mou-lam